Trabalho de INVESTIGAÇÃO do Instituto Tania Estrada
Tania Estrada, Especialista em PCA (Perturbações do Comportamento Alimentar)
Permitam-me sugerir-vos uma viagem mental no tempo, até à vossa infância, em que junto de uma avó, mãe ou tia se sentavam para escutar um conto de fadas.
Permitam que o vosso hipocampo se active numa primeira instância e que se activem igualmente as redes neuronais em diferentes sectores do cérebro para que a evocação tenha lugar.
São neste momento crianças, sentados num sofá com o vosso contador de histórias que começa:
“Era uma vez uma rainha que costurava, no inverno, junto a uma janela de negro ébano. Ao olhar para a neve, picou o dedo com a agulha e três gotas de sangue pingaram sobre a neve, o que a deixou admirada e a fez pensar que, se tivesse uma filha, gostaria que fosse alva como a neve, rubra como o sangue e negra como o ébano na janela.â€
O resto da história prossegue com a morte da rainha ao dar à luz essa filha desejada, Branca de Neve, casando o pai com uma outra mulher arrogante e vaidosa, possuidora de um espelho mágico que só dizia a verdade. Constantemente, essa mulher consultava o seu espelho com as seguintes palavras: “Espelho meu, espelho meu, haverá alguém no mundo tão bela quanto eu? Ao que o espelho respondia: “Senhora rainha, vós sois a mais belaâ€. Contudo, Branca de Neve foi crescendo em tamanho e beleza e eis que um dia, a resposta do espelho à rainha foi “A senhora é bela, rainha, isso é verdade, mas a Branca de Neve possui mais belezaâ€. Cheia de inveja, a rainha mandou matar a Branca de Neve, ora contratando um caçador para o fazer, ora tentando envenená-la. As suas tentativas não surtiram efeito. Branca de Neve sobreviveu a todas as investidas, com o auxÃlio de sete anões que a abrigaram. A história termina com a Branca de Neve a casar e a rainha a morrer de cansaço por tanto dançar calçando um par de botas de ferro aquecidas.â€
(Do conto “A Branca de Neveâ€- Conto de fadas originário da tradição oral alemã,  compilado pelos irmãos Grimm e publicado entre 1812 e 1822)
Segundo Betsy Cohen, psicoterapeuta norte-americana, este conto trata do desenvolvimento de uma rapariga em mulher, revelando o padrão que muitos de nós enfrentamos nas nossas famÃlias ao crescermos e lutarmos pela nossa independência.
Segundo a autora, o conto ilustra a perda da mãe considerada boa e o impacto da inveja gerada pela mãe má. Apresenta também um espelho que ilumina a emoção latente: o espelho da rainha. Este conto acentua igualmente a ausência do espelhar materno. Segundo Cohen, todas as crianças necessitam de pais atentos, que aceitem, que elogiem sinceramente, que apoiem, para que possam aprender a perceber, experienciar e confiar nos seus próprios sentimentos. Branca de Neve não teve pais assim. Teve o que se chama de mãe narcisista, uma mãe auto- centrada e preocupada consigo própria. Quando um cuidador tem dificuldade em reflectir as qualidades do seu filho ou filha, este terá dificuldade em vê-las. No espelho, o filho ou filha não verá a sua própria imagem, mas sim a da mãe. Este tipo de mãe tende normalmente a limitar as iniciativas de independência. A filha sujeita a este comportamento sente necessidade de se manter ao mesmo nÃvel ou num nÃvel inferior ao da sua mãe. Se ultrapassar a sua mãe, a filha teme activar a insegurança da mãe. Esta filha sente que cuidará da mãe não se tornando bem sucedida. Este é o SÃndrome da Branca de Neve.
Nas avaliações de Personalidade e Funcionamento Emocional prosseguidas no Instituto Tania Estrada a clientes diagnosticados com Anorexia ou Bulimia, 1/3 revelaram-se positivas quanto ao SÃndrome de Branca de Neve.
O teste aplicado foi o Teste de Rorschach, cuja grande utilidade consiste no facto da compreensão da pessoa, enquanto indivÃduo, ser extremamente importante para o propósito de seleccionar estratégias ou objectivos de tratamento. Poucos, se é que algum, procedimento de avaliação, conseguem captar a singularidade de uma pessoa como o Rorschach quando devidamente aplicado e interpretado, porque as respostas ao Rorschach são produzidas por uma gama bastante extensa de operações e experiências psicológicas.
As mesmas funções e experiências que geram as respostas ao Rorschach também produzem outros comportamentos, observados pelos amigos, familiares ou aqueles que conduzem entrevistas formais. As descrições comportamentais de uma pessoa derivadas da observação de outros significativos ou produzidas em entrevistas extensas têm um certo grau de precisão mas normalmente essas descrições não incluem informação acerca das funções psicológicas que geram os comportamentos observados. Os resultados do Rorschach contêm este tipo de informação.
A aplicação do teste de Rorschach permitiu caracterizar os clientes quanto ao controlo e tolerância ao stress, aspectos afectivos, percepção de si, percepção do relacionamento interpessoal e trÃade cognitiva: processamento de informação (input), mediação (tradução) e ideação (conceptualização).
Quanto ao processamento de informação, 1/2 revelou tendência para evitar a complexidade, reflectindo uma orientação mais cautelosa. Três terços revelaram um nÃvel de aspirações superior aos recursos disponÃveis, implicando um aumento das possÃveis experiências de fracasso.
Quanto à mediação, a totalidade das avaliações revelou que os indivÃduos tendem a apresentar respostas menos convencionais, mais individualistas, em situações simples e definidas com precisão.
No que diz respeito à ideação, 1/3 revelou a tendência para desenvolver movimentos internos de fuga para a fantasia.
De facto, todos desenvolvemos fantasia ocasionalmente. A fantasia é uma forma conveniente de usar a ideação conceptual para evitar temporariamente o peso ou as exigências da realidade. O actual ambiente quotidiano inclui muitos recursos que facilitam o desenvolvimento da fantasia, tais como livros, televisão, rádio, filmes, etc. Cada um, à sua maneira, oferece ao indivÃduo uma grande quantidade de estÃmulos que facilitam o afastamento da realidade, mas nenhum é imprescindÃvel para que se desenvolva a fantasia. A maioria das pessoas é capaz de “sonhar acordadoâ€, um processo de fantasia no qual o pensamento conceptual se foca em algo para além do que é real.
Muitos recursos como memórias, antecipações, necessidades, desejos, etc, podem fazer despoletar o †sonho acordadoâ€. Independentemente da sua natureza, constituem-se enquanto momentos comuns do dia-a-dia, nos quais a ideação directa é usada para negar a dureza do mundo imediato, substituindo-o por uma situação que seja mais fácil de gerir. Muitas vezes, a fantasia faz mais do que proporcionar um alÃvio temporário da realidade. Pode tornar-se uma fonte de recompensa (apesar de irreal) e, talvez o mais importante para alguns indivÃduos, confere uma sensação de controlo absoluto.
O alÃvio psicológico que a fantasia produz, apesar de temporário, faz com que algumas pessoas a usem como um dos componentes integrais do seu sistema de defesa. Estas pessoas tendem a envolver-se na fantasia mais frequentemente do que seria de esperar. O uso abusivo, apesar de temporariamente tranquilizador, pode tornar-se um risco significativo, uma vez que leva o indivÃduo a desligar-se frequentemente da realidade. Quando estes episódios de negação ideativa ocorrem com demasiada frequência, a pessoa tende a tornar-se dependente de outros devido à ideia implÃcita que forças externas trarão resolução a uma situação desagradável se puder ser evitada o tempo suficiente.
No teste de Rorschach, quando na codificação dos determinantes, o valor de movimentos humanos passivos é dois ou mais pontos superior ao valor dos movimentos humanos activos, estamos perante um estilo em que as fugas para a fantasia se tornaram uma táctica rotineira para lidar com as situações desagradáveis. Este movimento é tÃpico do SÃndrome da Branca de Neve, caracterizando-se principalmente pelo evitar responsabilidades e tomadas de decisão. 1/3 dos clientes com diagnóstico de anorexia ou bulimia avaliados usam excessivamente a fantasia para negar a realidade e, muitas vezes, o resultado é contraproducente para muitas das suas próprias necessidades.
Esta maneira de lidar com as situações cria uma vulnerabilidade auto-imposta uma vez que exige a dependência de outros. Infelizmente, os indivÃduos com esta caracterÃstica são bastante vulneráveis à manipulação dos outros.Â
Em seguida, apresentamos um estudo de caso que revelou tais caracterÃsticas.
 “Cristina†(28 anos, nome fictÃcio da paciente, à qual também foi aplicado o Questionário de Estudo abaixo)
- Paciente com distúrbio alimentar há 16 anos;
- Medicada com Fluoxtina (antidepressivo);
- Primeira consulta marcada pelo então namorado;
- Na primeira consulta faz-se acompanhar pela mãe;
- Refere que aos 12 anos pesava 90 kg e a partir daà começou a fazer dieta;
- O seu discurso evidencia imaturidade, com referência explÃcita ao medo de ser adulta, revelando movimentos regressivos: “Gostava de ser uma princesa ou voltar a ser bebéâ€;
- Refere o medo da mudança, numa atitude de resignação;
- Refere que quando a mãe ou o agora marido se sentem bem, ela perde-se emocionalmente;
- O seu discurso caracteriza-se por uma preocupação exacerbada, com implicações na qualidade do pensamento, envolvendo um forte sentimento de culpa:
* “Não deixo de comer para ter uma imagem impecável. Deixo de comer para punir a minha almaâ€;
* “ Sinto-me culpada de ter tido tantas oportunidades e de não ter agarrado nenhuma a sério, por dar mais importância ao corpoâ€;
- “Tenho medo de ser vista, notadaâ€;
- “A minha mãe não gosta de mimâ€.
Este caso ilustra muitas das particularidades da sÃndrome da Branca de Neve, nomeadamente:
- a dependência (o namorado que marca a consulta; o fazer-se acompanhar pela mãe);
- fuga para a fantasia (gostava de ser uma princesa ou voltar a ser bebé);
- limitação de iniciativas (o medo da mudança);
- dificuldade em lidar com a ideia de sucesso (Sinto-me culpada de ter tido tantas oportunidades e de não ter agarrado nenhuma a sério);
- vulnerabilidade (agora quero, agora não quero);
- dificuldade na relação com a mãe (a minha mãe não gosta de mim).
Reflectindo sobre os inúmeros casos que têm sido acompanhados, a Dra. Tania Estrada sugere que a evolução psico-afectiva nos casos de distúrbios alimentares tem origem numa Doença de Par, nomeadamente na relação mãe/filha.
Foi W. Bion o primeiro a evidenciar a importância da relação continente. Inicialmente, a vida processa-se centrada na figura da mãe que funciona como o continente em que a criança vive e de onde capta as primeiras representações do mundo. Tais representações são interiorizadas pela criança enquanto benéficas ou ameaçadoras. A confiança que o bebé deposita na mãe continente e protectora cria condições para que o ego infantil se aventure no mundo e o enfrente com optimismo.
No caso da “Cristinaâ€, o equilÃbrio emocional ficou precocemente marcado pela relação de ausência e vazio de significado que a sua mãe não continente proporcionou.
Questionário Aplicado durante o perÃodo 2009 a 2011
Doença de Par
_____ Tendência a limitar as iniciativas de independência.
_____ Não vê a sua própria imagem, mas sim a da mãe.
_____ Filha tem necessidade de se manter ao mesmo nÃvel ou num nÃvel inferior ao da sua mãe.
_____ Se ultrapassar a mãe, a filha teme activar a insegurança da mãe.
_____ A filha sente que tem que cuidar da mãe não se tornando bem sucedida.
_____ Simplificação de estÃmulos, negando a presença de elementos mais complexos ou ambÃguos, como forma indirecta de controlo.
_____ O sentimento de valor pessoal tende a ser negativo.
_____ Auto-envolvimento exagerado que tende a dominar a percepção que têm do mundo.
_____ Preocupação invulgar com o Corpo.
 _____ A auto-imagem e a auto-estima baseiam-se na imaginação e não na identificação com pessoas reais.
 _____ Revela tendência para desenvolver movimentos internos de fuga para a fantasia.
_____ Uso excessivo da fantasia enquanto negação da realidade.
_____ Vulnerabilidade auto-imposta, exigindo a dependência dos outros.
_____ Medo da mudança, numa atitude de resignação.
_____ Imaturidade, medo de ser adulta, movimentos regressivos:
- _____ “Tenho medo de ser vista, notadaâ€.
- _____ “A minha mãe não gosta de mimâ€.
Estas e outras teorias continuarão a ser investigadas no Instituto Tania Estrada, procurando esclarecer as hipóteses que vão surgindo à medida que as avaliações e os acompanhamentos terapêuticos vão revelando determinados traços caracterÃsticos dos pacientes de distúrbios alimentares.
Viajando desta feita para o futuro, apanhando boleia na fantasia, esperemos que o nosso contributo cientÃfico permita o único final admissÃvel em qualquer conto: “E viveram felizes para sempre, e que encontrem o Prazer pela VIDA!â€.
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